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Blog Hallucinations

Fácil seria colher aquela flor e comê-la, ou pior, esmagá-la entre os dedos e espalhar os detritos sobre o asfalto quente. Tanta gordura hidrogenada acaba por esclerosar as metrópoles. As avenidas são como artérias sujas, carros e glóbulos trafegam lentos pelos canais estreitos. Vendedores e artistas invadem a pista para vender refrigerante ou implorar um trocado aos motoristas.

Tenho trinta anos e um terno semi-novo, que eu mesmo passei hoje de manhã e com o qual pretendo iniciar minha nova carreira de evangelista louco, algo parecido com o Zaratustra após descer a montanha. Meu palanque será esse blog. Talvez eu possa ensinar algo de útil às pessoas. Por exemplo, sobre a solidão.

Muita gente sofre de solidão. Quem mora em cidade grande, sofre a solidão da metrópole, que tem algumas características específicas: uma hostilidade geral que nos machuca diariamente, nos enfraquece e nos transforma em covardes: frágeis plantinhas tremulando sob uma tempestade de buzinas, xingamentos, assaltos e frustrações afetivas.

Nas pequenas cidades, porém, a solidão é mais pungente, pois o solitário não tem programas culturais & boêmios que o distraiam de seu mal. E os vizinhos, espreitando sua vida, se tornam um enorme olho maldito, um lago negro de águas geladas no qual mergulhamos por distração ou ingenuidade. E ali nos afogamos por conta própria, preferindo o silêncio negro e opressivo das águas à histeria assassina das línguas envenenadas.

Vencer a solidão só é possível quando se aprende a conviver com ela. É o velho ditado: não pode com ele, junte-se a ele. Aprender a ser sozinho é a melhor saída.

Outro método muito bom é transformá-la, a solidão, em liberdade. Basta ver as coisas pelo seu lado positivo. Pense nas companhias indesejáveis que poderiam estar a seu lado e sinta o quão livre você é por estar sozinho. Imagine uma pessoa chata, insuportável, mesquinha, egoísta, e que você, por alguma misteriosa razão do destino, poderia ser obrigada a estar com ela várias horas por dia. Feche os olhos e fique pensando nisso durante o máximo de tempo que puder. Quando você abrir e verificar que está sozinho, sentirá imenso alívio.

É por aí que a gente vai aprendendo a ser feliz, ou então nos desesperamos de vez.

Eu, por exemplo, já fui muito solitário. Depois que meus pais morreram, vendi tudo que herdei (ou seja, o apartamento na Glória, com tudo dentro) e fui morar na Lapa, num kitnet no décimo primeiro andar. Não tinha amigos, namorada, colegas de trabalho, nada. Após o pagamento dos impostos, fiquei com a bolada de cerca de cem mil reais e depositei tudo no banco. O gerente me explicou que o dinheiro, se aplicado num fundo conservador, renderia uns quinhentos a setecentos reais por mês. Num fundo arriscado, poderia gerar até dois mil reais mensais.

Como meu aluguel era de trezentos reais e eu não estava a fim de trabalhar, optei pela segunda alternativa. Dei sorte, pelo menos nos primeiros meses. Lembro-me que, logo no primeiro mês, saquei três mil e duzentos reais. Nunca tivera tanto dinheiro. Estava decidido a gastar tudo em um mês.

Foi quando senti cair sobre mim, como um vaso lançado do trigésimo andar, o peso da solidão.
Se eu fosse um cara bonito, as coisas seriam mais fáceis. O negócio é que, na época, eu era muito feio. Pra começar, era morbidamente gordo. Um psicólogo explicou-me que eu sofrera um trauma pela morte violenta de meus pais. A perda súbita de quem eu mais amava, explicou o homem de olhos frios e boca fina, havia deflagrado uma produção descontrolada de hormônios ligados à ansiedade, produzindo em mim uma fome crônica, insaciável. Era verdade: eu comia o tempo inteiro.
Quando me vi na rua com todo aquela grana, sem ter com quem sair, ninguém pra conversar, nada pra fazer, a primeira coisa que pensei foi em comer. Mas, num impulso conservador, optei pela alternativa mais barata: enfiei-me na pastelaria chinesa mais próxima e devorei quatro pastéis e dois caldos de cana.

Também pensava em sexo obsessivamente. Lamentavelmente, meu aspecto deplorável dificultava-me o acesso a mulheres "normais", quer dizer, que não fossem prostitutas ou tipos medonhos. Antes de engordar tão brutalmente, tinha uma namorada bem bonitinha. Após o acidente que vitimou meus pais, ganhei vinte e cinco quilos em dez meses. Separei-me de Antônia e fui morar sozinho. Quando o problema da herança foi resolvido e saquei minha primeira renda, no verão de 2004, estava sem fazer sexo há mais de um ano.