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As anãs de peito caído

Se existia uma coisa que Maria Lúcia odiava, sobretudo nesses momentos em que aguardava uma vaga no cabeleireiro, era esse tipo de mulher: baixinha, histérica, e metida a gostosa. Só metida, que fique bem claro, porque todas eram barangas. Barrigudas, peito caído, rosto deformado.
Em geral, nem dava trela, ficava na sua, folheando as revistas – o que para ela constituía um entretenimento sumamente agradável. Aliás, hipócrita é quem diz que não é uma delícia matar o tempo olhando fotos e lendo fofocas sobre as celebridades do Brasil e do mundo.

Naquela tarde calorenta (graças a Deus o salão do Jorge tinha ar-condicionado), porém, não conseguiu ficar quieta. A baixinha, que estava ali para fazer um alisamento japonês (outra coisa ridícula, pensava, além de prejudicial ao cabelo, oh mulher burra), não parava de falar besteira. E ela ali, quieta, fingindo se concentrar na entrevista com a Daniela Cicarelli.
Na entrevista, Daniela dizia que foi obrigada a impedir a presença de jornalistas brasileiros no seu casamento com Ronaldinho, realizado em Paris, porque vendeu os direitos de imagem a um grupo espanhol. Não revelou por quanto, mas supõe-se que foram milhões... de euros.

E a anã não parava de falar...

- Você viu a Luma de Oliveira no carnaval? Continua linda, não? Ah, eu ADORO a Luma! E a Xuxa? MA-RA-VI-LHO-SA!

Que vulgaridade! Luma? Aquela... (bem, é melhor não dizer aqui o que ela pensou, para não ferir a suscetibilidade da modelo, porventura leitura dessa coluna). Xuxa? Essa baixinha aí pensa que tem que idade? Oito anos?

A tampinha continuava. Sua voz estridente dominava o pequeno salão na rua do Riachuelo.

- O que eu não entendo é a Globo dar esse cartaz todo à Ana Paula Arósio. Sempre papel principal em minissérie... Por quê não dão para a Leandra Leal, ou para a Dora Falabela?

Aí era demais. Ouvir porcaria sobre Luma ou Xuxa, até aguentava. Mas falar mal da Ana Paula Arósio, sua “ídola”, a grande atriz, a mulher maravilhosa, linda... não, isso não! Maria Lúcia largou a revista e ergueu a cabeça, em atitude de guerra. Só não interviu naquele exato momento simplesmente porque a baixinha não deu chance - falava sem pausas, encaixando as frases umas nas outras mesmo sem conexão lógica. Agora estava falando de política, com jeito de sábia (ah ah, que cena). Valha-me Deus! O que essa... essa coisa... vai falar de política?

- Acho muito certo a Rosinha ter mexido seus pauzinhos e mudado o sistema de ensino no estado. Acabaram com essa coisa de ensinar pros menino que o homem veio do macaco. Heuéin? Agora ensinam a verdade da Bíblia. O homem, assim como a mulher, veio de Adão e Eva! Eu tenho três filhos, num sabe? E num quero que os menino aprenda coisa do diabo na escola não.

Essa última intervenção tirou toda a iniciativa de Maria Lúcia. Sua raiva também desanuviou. Pegou a revista e voltou a folhear. Tratava-se de uma pobre coitada, uma paraíba semi-analfabeta (nada contra os nordestinos, mas é que a verdade é que era uma baixinha de cabeça chata – certamente uma imigrante). Três filhos, e não devia ter nem vinte e cinco anos... De fato, um caso triste.

Espiou novamente a anã para fazer um último juízo. Pelo espelho, comprovou mais uma de suas teorias. Peito caído. Toda anã paraíba tem peito caído, pensou, como que escrevendo uma máxima filosófica num livro interior.